quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O PRESENTE



Não houve missa de corpo presente, nem de sétimo dia, nem houve mesmo um único
padre pra encomendar seu corpinho miúdo.
O sangue coagulado já não escorria dos ouvidos e em seu rosto nem um sinal de medo ou surpresa, parece que até sorria. A mãe embrulhou –o num lençol de chita barata, o sangue das mãos ela enxugou em algum trapo em cima do fogão, seu bafo fedia a cachaça mas incrivelmente seus gestos eram firmes, seguros, e pareciam querer cronometrar os movimentos. Deitou o pacotinho sobre o único móvel da sala, mais precisamente uma velha mesa em um canto mais amplo do barraco, e saiu pro quintalzinho minúsculo donde sob o Abacateiro começou a cavar com as mãos um buraco, o maior que pudesse conseguir. Seu suor pregava os cabelos no rosto e quando ela passava as mãos sujas de terra , aquilo era uma máscara de horror e de nojo.
Duas horas antes chegara o companheiro, bêbado, com um presente pro moleque, da madrinha: um chocalho, e uma garrafa de pinga já pela metade. Beberam , conferiram o presente, entregaram ao moleque e ele sorriu: iria fazer um aninho no Domingo daqui quatro dias contados. Beberam e discutiram, ela apanhou iria se vingar.
O chocalho jogado num canto não parecia um chocalho comum...

cap. I

imagem: Pá
foto: Sandra Gonçalves

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