sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Versos Torcidos

Em tudo, um pouco de sossego
- do medo ao desconforto -
Em tudo, um pouco de belo
- do roto ao abcesso -
Em tudo, um pouco de sóbrio
- do anárquico ao gole de cachaça -
.... e tudo isso transita entre dentes,
gestos, folhas, manuscritos, numa
harmonia de berne e orelha de jumento.


texto escrito em 06 de Agosto de 84
"mês de cachorro doido"

Candangos

A luz bruxuleante da candeia
desenhava menina meu contorno
nas tábuas da parede.
Chovia lá fora, bem me lembro!



poemeto à sombra de "Infância I" da poeta
Walnisia Santos

Até o Amanhã

vivam os pobres de espirito
que não sentem o peso das cargas e medos,
que não sofrem a dor do chicote dominante

vivam os surdos que não escutam o clamor
dos ais e a voz da burguesia mórbida

vivam os inoperantes
até que um dia possamos viver nós, os outros,
e de pés descalços aguentar o calor da terra seca

Carretilha

Arremesso, a linha descreve um arco e vai se
deitar na água a favor da correnteza, travo a
carretilha brecando os rolamentos com o polegar.
Agora é tempo de espera...
.......................................................................
O rio vai descendo ligeiro levando as canoas e
os anzóis, levando os fantasmas e toda sorte
de medos.
Dentro do barco, terra firme.
Quando o Mandubé belisca a fisgada certeira
presenteia-lhe a garatéia
- pobre infortúnio -
Recolho, a linha vem ziguezagueando o labutar
do peixe como ziguezagueia a imagem dela no
meu pensamento, presos o peixe e ela...
- tais medidas -

Cumeeiras

da janela do quarto vejo as cumeeiras
e as caixas d´água pesando seus ripais
as placas armazenam o sol de Agosto
- a chuva aínda demora a chegar -
nos quintais os cães de colo latem os passarinhos,
distraídas rolinhas,bem-te-vís, pardacentos pardais
saltitam nos telhados - não temem a rapina -
o vento balança a Sete Copas: um santo
remédio suas folhas caídas - pra cura dos rins –
ao longe os alto falantes desenham seus políticos:
sóbrios e retos atrás de um ideal
a tarde cai indiferente...

de noite somem os gorjeios e os mastins de
guarda tomam seus postos silenciosos e maus
as antenas despejam nas salas de tv, seus
heróis de novelas e com eles seus panos
de moda e de fundo
os ladrões sem colarinho espiam os beirais e
os homens de bem religam os alarmes
- tanta coisa nos jornais -
os espectros povoam as cumeeiras

Viagem

O velho trem balança...
langolangolangolango
meu corpo e meus trecos prá lá e prá cá...
............................................................
Só meu pensamento não balança...
ficou em Nhande Rú...

Ah! se eu fosse filho do rei...

Eu poderia bem, morar em Guarujá , já torço pro Santos mesmo!

Levantar cedo com a brisa do mar me acariciando os cabelos.

Descer pra praia pra bater uma pelada, tomar uma água de

coco ou uma fria, ver as minas, tudo que se tem direito!

Pensando melhor eu podia era ser filho do rei!

Ora! Também não seria assim tão aberrante, eu até já morei

em Minas!

Eu queria ser centroavante.

Ser filho do rei e centroavante, meter a pelota na frente driblar um

driblar dois ou se a bola vem cruzada amortecer no peito pra cha-

pelar o zagueiro.

Aquela placa no maraca eu ia pedir pro velho mandar tirar

-não pegou bem aquele negócio de gol pras criancinhas -

E o baixinho! esse ia ter que se retratar! palavras em rede correm

mundo e, afinal rei é rei!

Se eu fosse filho do rei eu ia ser zagueiro, lateral, e goleiro então!?

jamais! ia ser era de lá da frente ( não das câmeras ), o terror dos

beques, matador como meu pai: O REI.

E naquele museu dele, eu ia falar pra ele colocar na entrada uma

foto dele abraçado com um anjo ( o das pernas tortas ), porque é

certo que ele sabe que aquele anjo é o seu anjo da guarda.



dia das crianças

caramelodocecaramelodocecaramelo
docecaramelodocecaramelodocecaramelo
docecaramelodocecaramelodocecaramelodoce
caramelodocecaramelodocecaramelodoce
caramelodocecaramelodocecara...
ih! quebrei um dente...

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Quilate

O canto do bem-te-vi parecia triste, e a árvore donde ele pousara, esconsa e desigual em galhos, era de pouca sombra.

E o bem-te-vi mais se encolhia e exasperava o canto, padecendo-se em angústias- sortilégio?

Agigantou-se a sombra, o vôo lépido, as garras, o bote, o gavião.

É certo...



Retrato I

... um beijo, outro, mais um, um abraço longo e outro beijo, no moleque de colo.

Os outros chamam: em comum a boroca, o sotaque, o destino sem destino. Um aceno de mão, um adeus (nem mulher, nem mãe, nem nada...)

Daí o pulo-do-gato: o outro, o não ensinado. - E a cama de girau me fez um bem! e a carne pouca com arroz, e a messalina, impagáveis –

Não são dias nem noites: o tudo é barro das fornalhas, carvão, orgulho, fuligem, breu, cansaço. E o tempo, tempo, tempo que não carece de espera.

Lá se foram os pés,(descalços dos sapatos) e os mastins e as armas e o imenso do não conhecido : breve fuga. O laço.

- meus réis!?

- o trem, a bóia, a cama, a messalina?! os panos, a rapadura? Impagáveis.

- meu nome, o sonho, o trato?

Silêncio. O tiro, a bala, o corpo, o baque...

............................................................................................................................................. -------------mãiê, cadê meu pai ?

-------------seu pai é aquele retrato na parede...