sábado, 29 de novembro de 2008

MANTRA



- senta nesta cadeira de balanço; põe os pés sobre o frio do chão, distenda os braços sobre o espaldar da cadeira, feche os olhos no fitar do longe; veja a lebre correndo sobre a relva miúda, sinta o cheiro do capim molhado de orvalho e daquela flor que num átimo desabrochou pra ti.
- se queres dormir pois durma; e sonhe: a esquiar em ziguezague sobre montanhas brancas, a embebedar da beleza da queda da cachoeira, a saltitar de braços abertos ao encontro daquele riacho pra enxergar refletido o teu sorriso e banhar nua em suas águas.
E eu te afago as costas em movimentos ternos e seguros; meu polegar busca teus desígnios: omoplatas nuca lóbulos;
assim assim...


sobre a obra

esse "MANTRA" eu dedico à
Doroni Poeta Baré

imagem: photobucket

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

lua de confeito



Avanço na lua feito a um queijo
E mordo-a em vez do beijo
Certo sou do meu prazer!

E quero enquanto ela for cheia
Pois na minguante ou crescente ela é só meia
E será pouca pra me satisfazer...

Não quero a lua nova por enquanto,
Deixo que ela envelheça um tanto
Como a um vinho que se quer beber.

Mas nesse afã de gula tenho que ser discreto
E estudar um plano por completo:
Nem um vacilo, nem um passo sem saber.

Por ser a lua Guardiã dos Amantes
Não posso anunciar em mil alto falantes
Que a ela tenho, vontade de comer.

sobre a obra

amantes e poetas querem a lua só pra eles,
eu resolvi comê-la.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

DIVINO II




Trago de volta a tralha
E o santo que me valha...
Tô de novo por aqui

Deixei no mar a jangada.
Multipliquei na chegada
Bagre piau e tambaqui...

Se pensas que apareço,
Eu bem sei que não mereço
Essa alcunha de vilão

Fi-lo porque pago o preço,
Ter deixado o endereço
Pros deuses da contramão...

Deixei o abadá no prego,
Tô de volta mas não nego:
Num tô nada satisfeito!

Aos macedos arrenego
Nessa guerra não me entrego,
Nos baais eu dou um jeito!

Tiro briga
Boto intriga
Tiro intriga
Boto medo
Tiro medo
Boto zanga
Tiro zanga
Meto o dedo

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

LACUNAS



O Roquefort existe e é esburacado,
preencha com corós o seu estado
e a fome em si perecerá...

o belo desse queijo é o que está
na vista dos espaços em que nele há...
e dentre, ele é o nobre do mercado.

À vista , o que campeia o meu destino
é o que presto a trazer desde menino
dos campos da escola, dos livros e do meu lar.

No mais, discorro em assembléias mesas de bar,
ao extremo ao desatino a me amarfalhar
faça chuva tempestade trovões ou sol à pino...

imagem: Vidros vs Luz

O PRESENTE



Não houve missa de corpo presente, nem de sétimo dia, nem houve mesmo um único
padre pra encomendar seu corpinho miúdo.
O sangue coagulado já não escorria dos ouvidos e em seu rosto nem um sinal de medo ou surpresa, parece que até sorria. A mãe embrulhou –o num lençol de chita barata, o sangue das mãos ela enxugou em algum trapo em cima do fogão, seu bafo fedia a cachaça mas incrivelmente seus gestos eram firmes, seguros, e pareciam querer cronometrar os movimentos. Deitou o pacotinho sobre o único móvel da sala, mais precisamente uma velha mesa em um canto mais amplo do barraco, e saiu pro quintalzinho minúsculo donde sob o Abacateiro começou a cavar com as mãos um buraco, o maior que pudesse conseguir. Seu suor pregava os cabelos no rosto e quando ela passava as mãos sujas de terra , aquilo era uma máscara de horror e de nojo.
Duas horas antes chegara o companheiro, bêbado, com um presente pro moleque, da madrinha: um chocalho, e uma garrafa de pinga já pela metade. Beberam , conferiram o presente, entregaram ao moleque e ele sorriu: iria fazer um aninho no Domingo daqui quatro dias contados. Beberam e discutiram, ela apanhou iria se vingar.
O chocalho jogado num canto não parecia um chocalho comum...

cap. I

imagem: Pá
foto: Sandra Gonçalves

A LOUCA



O capim e as heras tomam conta do exíguo quintal e das paredes de adobe. Algum animal derrubara a porta, ou foi mesmo o peso do tempo? De noite: os grilos pirilampos gatos, uma , outra coruja, ah! e os morcegos muitos, na noite nos cantos lúgubres inertes de dar medo os morcegos, de dia a realidade do barraco, só.
O casal ele ela adolescentes, passantes? estradeiros? de perto? curiosos. A cidade lá em
baixo nem longe nem perto, esquecida. Os olhos saltam dos olhos à porta a moça lívida mão à boca em concha chama mostra aponta o tétrico o medo,o rapaz. O braço sobre o ombro a calma, os dois.
Dentro os ossos aqui ali mais acolá, a caveira miúda carcomida morta morta, sem tempo. Espalhados os ossos. Uns trapos trapos, perguntosa a moça aponta – o quê é?!
enrolado um troço trapos, o rapaz- parece um chocalho! desembrulha mostra –um chocalho.
A mochila carrega descarrega o costume o vício, a marvada. O moço a moça à sombra
do Abacateiro. Um passa outro passa aspira prende, o sonho o novo, a síntese a desgraça.
Amor? amor não mata mata?! o beijo o frio do corpo o coito o gozo, premeditados? o crime antes premeditado? o rapaz olha os olhos da moça frios mortos, vagos. Os nacos da carne o sangue os membros separados, postos arrumados dispostos sobre o chão.
Click click de vários ângulos o corpo as fotos as fotos antigas: beijos risos poses poses
hoje ontem, presos na mochila.
Sobre o Abacateiro em galhos a fumaça o moço o não sei contar, o medo o medo? o mergulho.
No chão da tapera uma sombra...

cap. II

A TAPERA



O capim e as heras tomam conta do exíguo quintal e das paredes de adobe. Algum animal derrubara a porta, ou foi mesmo o peso do tempo? De noite: os grilos pirilampos gatos, uma , outra coruja, ah! e os morcegos muitos, na noite nos cantos lúgubres inertes de dar medo os morcegos, de dia a realidade do barraco, só.
O casal ele ela adolescentes, passantes? estradeiros? de perto? curiosos. A cidade lá em
baixo nem longe nem perto, esquecida. Os olhos saltam dos olhos à porta a moça lívida mão à boca em concha chama mostra aponta o tétrico o medo,o rapaz. O braço sobre o ombro a calma, os dois.
Dentro os ossos aqui ali mais acolá, a caveira miúda carcomida morta morta, sem tempo. Espalhados os ossos. Uns trapos trapos, perguntosa a moça aponta – o quê é?!
enrolado um troço trapos, o rapaz- parece um chocalho! desembrulha mostra –um chocalho.
A mochila carrega descarrega o costume o vício, a marvada. O moço a moça à sombra
do Abacateiro. Um passa outro passa aspira prende, o sonho o novo, a síntese a desgraça.
Amor? amor não mata mata?! o beijo o frio do corpo o coito o gozo, premeditados? o crime antes premeditado? o rapaz olha os olhos da moça frios mortos, vagos. Os nacos da carne o sangue os membros separados, postos arrumados dispostos sobre o chão.
Click click de vários ângulos o corpo as fotos as fotos antigas: beijos risos poses poses
hoje ontem, presos na mochila.
Sobre o Abacateiro em galhos a fumaça o moço o não sei contar, o medo o medo? o mergulho.
No chão da tapera uma sombra...

cap. III

A SOMBRA



A cidade sobe o morro crescida, especulada a terra imobiliada cara especulativa.
Votado na câmara a praça o campo a igreja nova, a esquerda os futebolistas os católicos, vertentes. Um condomínio de luxo a Catedral da Fé o foia, os do prefeito o bispo a boemia, vertentes. Enquanto, as barrigudas as patrolas os V8 as dragas as retro os maquinistas os peões o encarregado os curiosos os moleques os ambulantes os todos o barulho a poeira, devoluta. Caiu o capim o caju a cagaita o pequi o juá o timbó a mangaba a pitomba o bacupari a malva a tapera, a tapera? o Abacateiro, terraplanado.
Borracha o maquinista – seu Neca seu Neca... uns ossos caveiras uma mochila um chocalho.
Seu Neca o encarregado segunda– traz.
A mochila, seu Neca o engenheiro o policia o delegado. O chocalho, seu Neca o engenheiro o prefeito o padre o bispo.
Sobre a cidade o céu se apaga anuvia escura amiúda, seis horas noite presságia preta preta prematura. Os pardais emudecem seu canto, os canários de gaiola os bem-te-vis as rolinhas os quero-quero as jandaias os sabiás. Os cachorros gatos jegues galos mulos todos os muares, o tigre o leão o elefante a zebra o urso a girafa o simão macaco do circo, em debanda, sobem o morro. Os ratos os micuins os tudonada sobem o morro.
Em cima o terraplano o montôo os bichos. Em cima o negrume . Uns claros riscos relâmpagos estrondos perto perto água muita muita, mais. A água enxurrada forte forte desce açoita a terra leva sulca lava, ravina. Os ventos o negro o rio a lama engolindo a cidade. O padre as rezadeiras os credos todos pedidos, juntos, e os bêbados e os ateus. Os vereadores o prefeito os trâmites todos pedidos.
Agigantado amazônico o rio carrega pontes muros móveis barracos gente tudo tudo, desgraceira.
O matutino estampa o trágico o medonho, barro corpos desalinho desabrigo desalento.
Uma chuva miúda parece querer lavar o ontem, desatino.

cap. IV

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

DIVINO


o deus criado, imposto

sou eu: o poder sem rosto

santo deus! que onipotência...


pudera...? ser menos deus

cada um cuidar dos seus

problemas de existência...


quiseram tirar das costas

as suas merdas impostas

me fazendo impostor


deus queira que eu consiga!

saio sem provocar briga

vou sambar em Salvador...


segunda-feira, 10 de novembro de 2008

versos livres


Meu capitão de bragança
a dança não se acabou
enquanto a corda balança
o corpo se retesou
Verde esperança morreu
no colo de um Prometeu
que o silêncio enterrou

Meu capitão da matança
muita criança chorou:
por tantos vermes na pança
e pelo pão que faltou
Mulher parida sofreu
pelo leite que não deu
quando o moleque implorou

Meu capitão de carranca
tua história gorou
e o jornaleiro põe banca
pra banca que se queimou
A discordância nasceu
quem documenta sou eu
poeta que a dor criou

Meu capitão que hoje arranca
os olhos de quem olhou
.........................................
o porque da mula manca
nunca ninguém nos contou

Meu capitão que hoje tranca
as portas do social
que vem, mata, bota bronca
como qualquer anormal
Desbanca o que prometeu
meu capitão de natal
pois o presente que é teu
quem recebeu se deu mal

Meu capitão que tem lança
te apelidaram Pardal
pelas aves que matou
meu capitão canibal
Ninguém foi na tua dança
ninguém ouviu teu sinal
cospe fora o que comeu
pois o teu tempo acabou

sobre a obra

versos feitos na época da ditadura militar

LEMBRANÇA


Em cada meio fio o sangue do teu dedo
Em cada casco de cerveja as tuas impressões
e em cada copo o teu batom
No bar da esquina a mesa vazia
a mesma mesa em que tu bebias
Num canto da cozinha o teu chinelo roto
e na parede da sala o teu retrato
Nas tuas costas a marca dos meus dentes
e nos meus dentes o ouro do teu bolso
Em minha cama o contorno do teu corpo
e no cinzeiro o teu último cigarro
Lá na garagem o teu automóvel
com arranhadas dos teus dias no volante
Na nossa escola os teus colegas lembram
da tua última aula de história
e no meu caderno as pétalas de rosa
que tu ganhaste do teu primeiro amor
Nos meus cabelos os teus grampos usados
nos teus cabelos um corte "A la homem"
Em minha mente a tua lembrança.
Em minhas mãos as tuas mãos já frias
deste teu corpo neste caixão de cedro

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Molecagem do Tempo

Me voltou à lembrança o pau de bosta; o pique de lata; a lata de mijo; a linha imaginária; o caí no poço e outras brincadeiras deixadas nos calcanhares do tempo. Me lembrei das brigas; dos beijos furtivos com a filha do padeiro; do Grupo; dos colegas do Grupo com quem a gente inventava as brincadeiras - brincadeiras inocentes de moleques inocentes de um Grupo Escolar de uma
cidadezinha do interior.
Me voltou à lembrança o baile; o carnaval do clube da cidade; o outro carnaval atrás da estação ao que a gente acorria atrás de prazeres proibídos.
Batíamos perna na praça da Igreja de São Sebastião e eu me lembro que era Sábado- Domingo é missa e com certeza nossos pais estarão aquí-
À noite depois do baile é que vinham as brincadeiras -nas férias da escola elas rolavam noite adentro acompanhando o folgado do dia seguinte.
Me lembrei de meninos correndo pelas ruas de terr e hoje são homens feitos -homens de mulheres perdidas em suas costuras; seus bilros, suas rendas; gordas, com seus doces a engordar mais e mais- uns cegos; uns enxergando sua chance lá longe; uns carregando pesados fardos.
Me peguei chorando, limpando as lágrimas num velho álbum de fotografias.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Fila de Espera


Terêncio morreu ontem n'uma "FILA DE ESPERA".
Lembro bem dele da época das peladas, nós moleques
lá no interior(era o primeiro a ser escolhido).
Lembro que Terêncio não gostava de esperar-as vezes
apanhava da mãe por não esperar a irmã na porta do colégio, outras vezes levantava mais cedo só pra ser o primeiro no portão da escola-nem pelo toque da sirene.
Terêncio acordou, já com quarenta anos, às três da madrugada. Aquela dor no estômago incomodava há muito
tempo seu corpo esguio de lavrador.
Terêncio esperou pelo café de sua mulher,esperou pelo
compadre que vai levá-lo pra internar em algum hospital,esperou pelo beijo da filha(a dor esperou pelo
sorriso de Terêncio).
Terêncio esperou pelo cheio do trânsito, esperou pelo
pneu furado, esperou pelo apito do guarda brecando
a velocidade, esperou pelos sinais, ...pelo sinal...
Terêncio esperou... desesperou pelo primeiro passo
da fila( cobra de n cabeças ).
Terêncio esperou pelo médico, ....PELO AMOR DE DEUS
UM MÉDICO!....
..............................................................................
Terêncio esperou ... a morte não!

sobre a obra

Por onde anda a saúde no Brasil

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

No Divã

- Adamastor! o pano!
- Adamastor! o óleo!
- Adamastor! a água!
- Adamastor! o rodo!
- Adamastor! o sabão!
Porra! Adamastor sou eu e só trabalho!
- Quem manda é meu irmão.
- Vamos! Reaja! Seja homem como os outros,
diga não!
Esse é o lado mau da minha consciência.
- Que indecência! Adamastor, vá meu amor!
ajude o galegão.
Esse é o lado bom.
- Adamastor! passe o pano e encere a sala e a cozinha.
- Esta é Mariquinha! minha irmã mais velha.
- Vá não Adamastor! Que horror! Mande essa bruxa ir
lamber sabão!
De novo a consciência! me desligo! o lado bom nem quero ouvir.
- Adamastor! busque o Nicanor seu irmão mais novo que
está jogando bola! dê-lhe um banho! vista-lhe o uniforme
e o leve a escola.
Ah! minha mãe.
- Vá Adamastor! seja bonzinho afinal ela o trata com tanto
carinho!
Êta consciência!
-ADAMASTOR!!! seu doutor, tô com fobia por esse nome.
O MEU NOME!!!
-- Realmente! seu doutor isso é grave?!
- Não Adamastor! mas, por favor vá à sala ao lado pegue
o cinzeiro jogue a cinza no lixo ao sair tranque a porta
e traga a chave.

Nossa Arte


Uns traçam traços trena reta tinta espaço
- Eu estraçalho o acaso ouso faço versos
Uns usam o tasso limam lixam metem o maçarico
- Eu aplico a tinta pronta tonta errante pelas
curvas das letras
Já outros pegam o barro unhas sujas dedos
dentro fazem anjos limpos a voar
- Eu deixo que voe o verso comparo o barro
à matéria dos meus textos
Depois somos a mesma linha
a última ARTE está nas catacumbas

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Isso que Ficou!

O circo veio e não era de graça
empastei meu cabelo de glostora
e quando saí à porta, meu pai já
tinha ido levando meu irmão mais
velho - aquilo não era coisa prum
moleque de seis anos
O circo foi embora levou o espetáculo
danei de fazer mambembices vida
afora - engolir facas trapézio corda bamba -
No espelho do meu quarto me visto
e me dispo de palhaço ... outras vezes choro ...

sobre a obra

este poema eu fiz dedicado à Graça Grauna,
e Graça Grauna me incentivou a apresentá-lo
a vocês

Ah! Aquele Mundico!...

Tô me lembrando do Mundico,aquele do caso da onça.
Ah! não te contei! depois eu conto.
Mundico me via em qualquer lugar vinha logo com um caso.
Na padaria do seu Joaquim; no açougue; no butiquim do gordo;
na porta do cinema; nas festas de familia.
Um dia no velório de um parente em comum,Mundico é meu primo
em primeiro grau, sapecou de lá prá cá,
- Ôh Jesus! sê lembra...
Tenho o nome do homem, mas longe de querer ser crucificado,
aínda logo alí no velório do Asdrúbal! interrompí de chofre a historiada
que vinha de costume.
- Tá doido Mundico! tamo n'um velório de gente da gente, por que
você não se põe à chorar!?
Escapava as vezes das investidas do Mundico, mas virava e mexia
ele dava um jeito de me pegar!
Esticava a missa das nove; dava de passar no campinho de pelada
pra ver o pessoal;( andava dez quarteirões a mais mas era por uma
causa justa). Hoje passou no Chico Prêto prá fazer a barba. Ele
nunca fazia a barba no barbeiro, era a Dontina que sempre o deixava
asseado - uma mulher com todos os predicados minha mulher uma
verdadeira dama -
Me encontrou já sentado na cadeira de couro; um pano que outrora
foi azul prêso em volta do meu pescoço por um prendedor onde um
dia, pelos sinais apresentados, teve um velcro; o rosto tomado de
espuma e os ouvidos livres pro caso do Mundico. É o que lhe bastava.
- Hoje sê deu sorte professor, não sô o Sílvio( Santos ) não mais!,
a felicidade bateu na sua porta.
- Sê lembra do Quinô? ele tava no sonho. Me apareceu com uma
camisa marrom, aquela mesma que ele tava no entêrro do Asdruba,
e derrepente tirou do bolso um pedaço de papel - era papel de pão
da padaria do seu Joaquim - com uns rabiscos feitos de carvão
garatujando um mapa. Era um mapa de tesouro. Ele me falava
numa linguagem que eu num intendia direito, mas alguma coisa
era mais ou menos assim: tem de ser o Jesus tem de ser o Jesus
na fazenda do Seu Dé Baiano na noite de lua na noite de lua tem um
pote de ouro interrado ele vai sabê onde tá tem de ser o Jesus.
- Eu sei onde é a fazenda, aquela mesma que ocês morô com
roça de algodão.
E falava e falava e o Chico corria a navalha no afiador de Buriti,
parava prá dar uma espiadinha na estória e num hum! de consentimento
tirava minha barba enquanto eu dormia a sono solto quase
chegando a roncar.
Nas idas e vindas virei mesmo professor, de Universidade Pública,
Federal! com passagem entre os que também como eu acreditaram um
dia na educação do país.
Tô me lembrando do Mundico, aquele do caso do pote de ouro.
Ah! te contei.
E eu nem sei por onde ele anda.


sobre a obra

Aos Mundicos que vão por aí contado
causos

Escrita


Ponta do lápis catucando o papel.
Lápis de ponta fina punhal de letras
catucando a ferida - sangrando palavras -
Rio de escrita jorrado de uma serra
cabeça de poesia.
Pensamento catucando a memória
- lembrança de tanta gente catalogada
na história -
Outras canetas desfiando casos, coisas
da escrita.
Estórias de guerra; de amor; suor e medo;
casos contados de noite - casos contados
em noite de lua cheia -
Vampiros e gnomos tirados do vento - vento
forte da noite inventando estórias de dar
arrepios -
Escrita de dores e credos; amores.
- SEU SANGUE É TINTA -


sobre a obra

À poeta Baré, Doroni com um beijo
do seu amigo Carlos Mota

LEGADO

disseram-me que ele era bem moreno
e que tinha uma cicatriz no rosto,
e me batia quando eu muito pequeno
e me levava à feira a contragosto

levava uma vida bem mundana
e era inimigo do trabalho,
morria de amores por qualquer fulana
vivia de gigolô e quebra galhos

e hoje eu sou assim sem rumo
sou anti-social sou trombadinha
sou o horror das mães, das menininhas
do credo! e do sombrás! eu sou o sumo

vegeto nas esquinas do destino
não prezo em nada minha condição,
quando era menino: malcriado
hoje já rapaz sou anti-cidadão


sobre a obra

poesia escrita nos anos 80
em Bhte- Mg cidade onde
viví por dezenove anos

do cabrito!

Madura é a fruta que cai
lá do pé do imbuzeiro.
Ladino vem o cabrito
devorá-la por inteiro.

Se vem o homem e a chupa
deixando lá a semente
o cabrito nem lha toca:
- ora pois! não sou demente!

- o que o homem põe na boca
ou cospe ou é triturado,
então deixemos rever!
OU É CUSPIDO OU CAGADO

- se sai da boca do homem,
tem que ser bem entendido!
pois se a cabeça é fraca:
OU É CAGADO OU CUSPIDO

- não sou jumento, decerto
por não ter força o bastante,
mas tenho claro o destino
de ser um bode adiante

Deixemos de lado a saga
desse cabrito folgado
pois nesta história, no fim
o bicho vira escaldado!

sábado, 1 de novembro de 2008

Poemeto

cambaleante um bêbado caminhava
um pé no chão e o outro nas estrelas...


sobre a obra


um paralelo ao poema
"Passo a Passo"
do poeta Edimo Ginot

EU

Ah! atravessei meio século
buscando aventuras,
agora no meio do mundo
a vida me vê cansado e só.

Flashes

Tinha dezoito anos quando me apresentaram o mar.
Aquela imensidão de águas de uma cor azul em
tons e semitons - música do mar –
Tanta areia para os meus pés. - e ela não está -
caminho sozinho seguindo minha própria sombra,
lanço o olhar em direção ao longe, horizonte,
e de uma jangada perdida na distância ela bem
podia estar me olhando.
Sento na areia molhada e com o dedo que aponta
rabisco um poema, o meu primeiro poema, pra ela.
Tinha dezoito anos e não me lembro dos versos,
só sei que o mar os levou.


sobre a obra

alguns momentos da vida
passam como flashes

Bela

oi bela! onde estais que não respondes...
por quais sombras quais umbrais tu te escondes
se não canso nessa busca a te chamar

oi bela! traz contigo teus ardores de menina.
por acaso será esta a minha sina
por meus sonhos em teu sonho me matar...


sobre a obra


assim se paga o amor?!

Eu e o Outro Menino

...a pedra zuniu feito um enxame de abelhas zangadas
e encontrou estático o colorido passarinho, o outro
menino foi mais ligeiro e o apanhou nas mãos como
se apanha uma fruta madura, sem antes dar-me uma
expiada de inteira desaprovação. O menino cuidou do
bichinho como se cuida de um presente novo, de uma
bicicleta. E o canarinho, ou era um melro?!, cuidou de
logo ficar bom pelo amor do menino. Deitei de querer
vê-lo engaiolado, e novamente uns olhos duros mas
sinceros negavam-me essa maldade.
- Passarim tem é que voar, tem é que cantar solto nas
galhas do pé de pau. Tem que planar nas asas do vento
dizia o menino, misto de poeta.
Dizendo assim parece que foi ontem, mas esta imagem
eu resgatei dos porões quase esquecidos da minha
memória, só para mostrar o quanto pesou, desde cedo,
pràquele menino o conceito de liberdade.


sobre a obra



ao meu saudoso primo
Aluizio de Oliveira Mota
um homem sempre pautado
na luta contra as desigualdades sociais